terça-feira, 27 de novembro de 2007

Trabalho de Processos Jornalísticos

Durante essa disciplina, fizemos análises de diversos jornais e revistas, com editorias variadas. Ao final do semestre (3º) cada um escoheu um tema e dissertou a respeito. Escolhi falar sobre o caso de Isabella Nardoni, não só pela pertinência do caso mas também para tratá-lo de forma diferenciada. Como pretendo, futuramente, me eespecializar em -não chamaria de crítica- analisar diversos tipos de dança, é preciso dar os primeiros passos analisando a forma como as coisas são apresentadas no jornalismo.

Isabella Nardoni

“O circo midiático”

O caso de Isabella Nardoni se tornou assunto de conhecimento da população como um todo. A menina de cinco anos, no final da noite de 29 de março, foi encontrada caída no jardim do prédio em que o pai mora, na zona norte de São Paulo. Isabella vivia com a mãe, porém visitava o pai a cada 15 dias. Alexandre Nardoni, o pai, e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, madrasta, foram levados ao 9º DP (Carandiru) para prestar depoimento, logo após a constatação da morte da garota.
Segundo depoimentos do pai, ele chegou naquela noite ao edifício de carro, com a mulher e os três filhos, que estavam dormindo. Ele teria levado Isabella até o apartamento e deixado-a na cama, enquanto ajudava sua mulher a pegar os outros dois filhos que ainda dormiam no carro; ao retornar, não encontrou sua filha no quarto, que estava com um buraco na grade de proteção da janela. Investigações médicas encontraram lesões incompatíveis com a queda, o que sugeriu que a menina teria sido agredida antes de ser atirada pela janela.
Desde que o caso explodiu, os principais suspeitos foram o pai e a madrasta, que vêm sido julgados, não só pela lei, mas por toda a população. A mídia, desde o início, fez uma cobertura excessiva do caso, noticiando cada momento, cada respiração que pudesse ser uma nova informação, bombardeando um país inteiro com o caso de uma única menina.
O caso de Isabella Nardoni é uma tragédia que virou um circo midiático. Aconteceu no contexto ideal pra ser transformado em uma novela: envolve uma criança; dentro da classe média; e com requintes de crueldade. O caso da Isabela parece ilustrar bem o título de "4º poder" que alguns direcionam ao jornalismo. A cobertura maciça da imprensa criou uma horda de brasileiros sedentos pela solução do caso, que, certamente, faz com que a justiça trabalhe intensivamente.
Entretanto, até mesmo a mídia já admitiu isso. Após muitos bombardeios de matérias sobre o caso Isabella Nardoni, começaram a surgir, então, críticas sobre o tratamento da mídia a respeito. Os textos apareceram em gêneros diversos: Entrevista, coluna, artigos, postagens informais e até comentários em programas radiofônicos.
Por mais diversos que sejam, as textos trabalham basicamente os mesmos aspectos. Um aspecto apresentado pelos críticos é a atitude dos peritos no caso. Então o delegado responsável pela investigação do caso também tem uma parcela, e grande, em qualquer escândalo ou erro na repercussão da tragédia. Quem repassa as informações aos jornalistas é o delegado, claro que cabe à imprensa filtrar as informações, mas se os próprios peritos afirmam uma coisa, a mídia só faz o papel de divulgar as informações, ainda que isso não exclua o circo gerado pela imprensa.
E as críticas prosseguem para o público: Um país acostumado a ignorar as barbaries rotineiras comove-se com um criança singularizada pela tragédia. Dentre tantas crianças que morrerão com a dengue, alta no preço dos alimentos, narcotráfico, guerra no Iraque, crise no Tibete, é esta menina –Isabela- que faz os brasileiros terem uma pausa para pensar.
Além disso, sabe-se que Isabella é uma entre milhares de crianças que sofrem de violência doméstica. Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo estão investigando o comportamento de 800 famílias da periferia de SP e, ainda que os dados sejam preliminares, encontraram 20% de crianças vítimas de espancamentos, asfixia, pontapés ou queimaduras, resultando em lesões ou fraturas; mas por causa de suas condições sociais não se transformam em notícia.
Foram registrados no país 49.481 casos de violência grave cometida por familiares contra as crianças em suas casas; nesse período, contabilizaram-se 532 mortes.
O maior problema ainda não está no anonimato desses casos, mas sim na repercussão que isso pode trazer futuramente, pois, crianças agressoras sempre contam história sobre terem sido vítimas de espancamento em casa.
Uma entrevista com a professora Mary del Priori, defende que o noticiário sobre a menina causa comoção porque a morte na sociedade está higienizada, situação que foi rompida com o caso.
Segundo a historiadora, a morte de Isabella é vista como um sacrifício, por causa da mudança do papel da criança (como hoje em dia as pessoas tem menos filhos, concentram neles todas as suas esperanças, o filho representa a continuidade da família).
Para Del Priori, Deus não está mais presente na sociedade, então não se liga mais a morte com um simbolismo religioso.
Alguns críticos defendem ainda que esse amor aos filhos é um aspecto da sociedade contemporânea, costume que surge na Europa nos séculos 16 e 17 entre os mais ricos, pois diminui o tamanho da família padrão atual.
Um ponto muito trabalhado pelas críticas foi a relação desse caso com o antigo caso da Escola de Base. Isso aconteceu em 1994, quando vários órgãos da imprensa divulgaram séries de reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, alunas da escola de Base. A divulgação do caso levou à depredação da escola e à prisão dos donos. No entanto, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas; não havia qualquer indício de que a denúncia tivesse fundamento. Os acusados pelos abusos deram início ao processo de indenização e vários órgãos da imprensa foram condenados. Os críticos agora, fazem a relação entre os dois casos, dizendo que a lição que deveria ter sido aprendida há anos atrás já foi esquecida e o mesmo erro está sendo cometido.
Todas as provas se dirigem a acusação do pai e da madrasta, como se eles fossem culpados e não existisse outra hipótese. Qualquer pessoa (e me refiro a pessoas normais, donas de casa, trabalhadores, população em geral, que apenas acompanham o noticiário) que seja questionada sobre o caso vai afirmar com convicção que acreditam que o casal Nardoni (pai e madrasta da menina) é culpado; e pior: as pessoas realmente acham que tiram essa conclusão sozinha, como se fosse uma opinião particular; quando é a mídia que está fazendo todos pensarem desta forma.
Caso, posteriormente, descobre-se que o casal realmente não era culpado (e então surge a associação com a “Escola de Base”), não haverá mais como remediar, a vida deles já estará destruída, com a imagem de pessoas que assassinaram uma criança, que para piorar era da família.
Segundo o sociólogo norte-americano, Wright Mills, com a transformação do público em massa, há uma grande desproporção entre os que formam a opinião e os que recebem a opinião já formada (por “peritos”), isso gera a impossibilidade de uma resposta eficaz e a incapacidade de ação do público.
Com base nisso, podemos entender claramente a repercussão do caso Isabella. Um exemplo disso foi a entrevista exibida no último fantástico, com o casal Nardoni (pai e madrasta da menina), que, posteriormente, foi comentada por um pscicólogo. O pscicólogo, que aqui assume o papel de perito, diz que a madrasta é quem domina no casal, porque ficava a todo momento interrompendo o marido; ele disse ainda que o discurso do casal parecia ter sido ensaiado, porque faziam questão de afirmar a todo momento que eles tinham uma relação muito amorosa com Isabella.
Pois bem, acompanhado de outros argumentos, o perito deixou claro que o pai e a madrasta era definitivamente os culpados pelo assassinato, sem deixar possibilidade nenhuma de contestamento; e, com isso, fez com que toda a população brasileira compartilhasse dessa opinião.
Além disso, o fenômeno de massificação, torna a “cultura” um bem de consumo que se torna excessivamente superficial e sentimental, que nunca apela para a razão. Isso está nítido na exposição do caso; todas as notícias que cobrem o assassinato de Isabella apelam para a emoção, e nunca para a razão, a notícia é repassada por âmbitos que comovem o público.
Outro sociólogo, Theodor Adorno, faz uma análise sobre a industrial cultura, onde tudo é transformado em mercadoria, inclusive as emoções. Na industrial cultural, não há mais a noção do individual, a massa apresenta sentimento coletivo e se satisfaz com o sucesso dos outros, que é o que acontece na torcida organizada de um campo de futebol, ou até mesmo nas ligações para o vencedor do “Big Brother”.
Pois bem, após tantas críticas sobre a cobertura da mídia já está entendido que até mesmo os próprios jornalistas concordam com o exagero da repercussão e admitem o circo midiático que isso gerou. Mas, as próprias pessoas que criticam são aquelas que, de alguma forma, participaram e contribuíram para o processo de montagem desse circo.
A própria Folha de São Paulo publicou entrevistas e colunas sobre a polêmica do caso, mas foi justamente a Folha de São Paulo que publicou inúmeras matérias a respeito do assunto e contribuiu para o bombardeio das informações A folha online chegou a publicar cerca de vinte matérias por dia sobre as notícias de Isabella. Dentre as informações constavam opinião de vizinhos, provas infundadas, sentimentos de pessoas que nem envolvidas no caso estavam, só faltou escutarem a opinião do cachorro do vizinho para saber como ele estava se sentindo com a morte da menina.
Não há como dizer que a mídia não deveria ter dado importância ao caso. Mas foi um exagero de notícias relevantes. Além disso, o jornalismo publica o que o publico quer ver, certo ou errado já se torna uma questão mais social do que jornalística. O público despertou interesse e acima de tudo um sentimento ferido com a tragédia, se um repórter apurou alguma informação sobre o caso, ou buscou informações novas, por mais irrelevantes que fossem, ele, certamente, fez isso porque interessava ao seu superior, ou até mesmo, foi o tal superior que solicitou as informações. Se o editor do jornal, então, publicou as informações teve de fazer isso pois o público queria ver isso e, se o jornal não apresentasse essas notícias, não venderia exemplares, pois perderia o interesse do público, se um jornal não vende, ele pode ir à falência.
Então, jornalistas criticam o tratamento da mídia mas contribuem para a armação do circo, pessoas dizem que já estão estagnadas dos bombardeantes noticiários sobre o caso Isabella Nardoni, mas continuam prestando atenção a cada nova informação. Estamos aqui diante de uma grande contradição, e, mais do que isso, diante de um antigo dilema: Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?
Segundo Hanna Arendt, o fenômeno da cultura de massas é um problema da conjuntura histórica, não é algo recente, e, também, não será algo que vai desaparecer tão brevemente da nossa realidade. Se o público (a grande massa) não filtra nem analisa as informações que recebe, isso é culpa dos meios de comunicação que passam a informação de uma maneira superficial e sentimental, e se a mídia repassa a informação dessa forma é porque é esse tipo de informação que atrai o público. Estamos, talvez, diante de um beco sem saída. Talvez a solução fosse tratar as notícias de uma outra forma e repassar as informações de uma outra maneira; e claro isso só funcionaria se todas as redes da mídia se tornassem públicas e não tratassem a informação como mercadoria. Ou melhor, talvez nem isso adiantasse, uma vez que, quando toda a imprensa se torna pública, fica nas mão de um único “proprietário”, o governo, que, desta forma, poderia “manipular” as informações, e neste caso, não houvessem vários pontos de vista sobre um mesmo assunto.
Mas, divagar sobre as soluções para a situação atual da mídia não vem ao caso. O fato é que, o caso Isabella Nardoni criou um circo midiático, com uma quantidade exacerbada de informações relevantes e, o que é pior, sensacionalistas, que prejudicaram, de forma justa ou injusta, a vida de um casal, que a partir dessa tragédia foram arruinados.




Antéia Orteiro Pereira Pinto
Jornalismo 2° ano
Processos jornalísticos II

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